Quando é perguntado se gosta de ler, o menino Daniel Oliveira confirma rapidamente. Responde que ama e observa sem perder tempo que gosta mais dos “livros que não têm imagem” por que “você mesmo fica imaginando as imagens”. Ao lado dele, Yuri Siqueira dá a mesma explicação e acrescenta que gostou muito mesmo que “o Bosco e o Marco Miranda vieram aqui”.
O “aqui” é a Escola Classe Santa Helena, no núcleo rural de Sobradinho, onde Daniel e Yuri cursam o 4º e 5º anos, respectivamente, e onde a Jornada Literária passou pela 3ª vez este ano (antes o projeto esteve em Ceilândia e Brazlândia). Os dois e mais cerca de 60 alunos do ensino fundamental da escola assistiram nesta 5ª feira, 4, às apresentações dos colegas sobre os livros de João Bosco Bezerra Bomfim e Marco Miranda, além de terem conversado bastante com os próprios autores.
Os livros A Botija Encantada e Traça de Casaca na Casa de Ruy Barbosa, de João Bosco, e O Paradeiro do Padeiro, de Marco Miranda, foram lidos antes pelos alunos e trabalhados em salas de aula, mantendo uma das principais características da Jornada Literária, justamente para que o encontro com os autores alcançasse resultado mais efetivo. O trabalho foi tão bem feito, que os alunos não apenas discutiram as obras com Bosco e Miranda, mas contaram as histórias dos livros para os próprios autores de maneiras diferentes. As turmas fizeram isso com teatro, música e até uma “batalha” entre repente e rap.
“É um modelo que nós, por necessidade, temos que começar a inserir na educação, na escolarização formal. Por que, na verdade, eles têm esse acesso fora da escola, faz parte do quotidiano da vida deles. Então, por que não trazer o quotidiano dos alunos para a escola? Por que não transformar a escola em um lugar qualitativamente acolhedor, dizendo pro aluno o tempo todo que o que ele vivencia lá fora ele traz pra cá e se expressa?”, argumenta a professora Luciana Gresta, arte-educadora e coordenadora da E.C Santa Helena. Ela, juntamente com as outras professoras, idealizou as apresentações da Jornada Literária. Segundo ela, essa mescla entre o programa oficial de ensino e o que os alunos trazem “lá de fora” é importante para o aprendizado da literatura, porque facilita a descoberta do prazer de ler. “Apresentamos o livro da maneira formal (leitura), mas propusemos às crianças e eles abraçaram (o modelo de apresentação), porque quando é algo que desperta o interesse do aluno, que faz parte do universo que ele vivencia, ele topa na hora. Que linguagem que vocês querem? Vamos fazer repente? Não, tia, a gente prefere o rap. Aí fizemos uma conversa entre os dois estilos”, conta Luciana como alunos e professores chegaram ao formato.
Lívia Mariane, aluna do 4º ano, confirma com entusiasmo o acerto na escolha do modelo. “Nossa! Eu amei! Eu sou apaixonada por livros. Eu gostei muito das apresentações, esses livros são muito bons. Dá vontade de pegar todos os livros do mundo e começar a ler”, conta com sorriso aberto. Sua colega da 5ª série, Sophia Máximo, diz que também “amou” a Jornada, que foi “legal” ver os escritores de perto e, sem ser perguntada, diz logo que gosta “de ler livros de 200 páginas”, dando como exemplo o Diário de Um Vampiro. Danilo Sales, do 3º ano, gostou de A Botija Encantada “porque tá misturado com terror, parece um filme que eu assisti à noite, que fala da morte”, ele compara, garantindo, no entanto, que não sente medo nem do filme nem do livro.
Alguns alunos “viveram” no palco improvisado da escola o que leram nos livros. “A gente fez o cenário, botou a bacia cheia de farinha e depois eu e o Renato mexemos na farinha e a gente virou padeiro”, conta Miguel Araújo, aluno do 2º ano, que interpretou o padeiro da obra de Marco Miranda. “A escola tem uma experiência muito importante com a linguagem teatral para alunos da zona rural, pra alunos que nunca pisaram num palco e, a sua maneira, foram, mostraram, tiveram a coragem. Aqui a gente usa a arte muito pra isso, pra dizer: você tem seu potencial criativo, todos nós temos, e é importante que eles estejam o tempo todo lembrando disso: você pode! Vem! Você consegue, você tem seu potencial criativo , é só perder a vergonha e vir. Aqui a gente chama a criança, ela vem pra frente, pega o microfone e lê, com todas as suas dificuldades e potencialidades”, explica Luciana Gresta.
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